terça-feira, 6 de outubro de 2009

VETORIZAÇÃO DE CANTO


A vetorização é conhecida como o processo em que o filhote de curió tem o primeiro contato com o canto ou dialeto da espécie, ainda no ninho, na presença da mãe. Embora não haja embasamento científico para teoria de alguns criadores que afirmam que o início do aprendizado se dá com o filhote ainda no ovo, é certo que está ligado aos seus primeiros dias de vida, quando ainda está totalmente receptivo. Também é certo que há uma predisposição genética ao aprendizado do canto, já que criadores que se dedicam à seleção de um plantel voltado para execução perfeita de determinado dialeto obtêm um sucesso maior do que os que praticam cruzamentos aleatórios, mantidos procedimentos semelhantes no manejo da vetorização e encarte do canto, aumentando assim a probabilidade de sucesso.
Na natureza, o filhote de curió aprende com o pai e irá ensinar seus filhos no futuro. Esse é o meio mais eficiente de vetorização do canto. Na criação em cativeiro a coisa se complica um pouco, principalmente pela indisponibilidade de se conseguir galadores com canto perfeito.
A melhor solução para vetorização do canto em filhotes em cativeiro é o emprego do que chamamos de mestres de canto. Um pássaro mestre é ainda mais difícil de ser obtido que um galador de canto perfeito. Somente poderá ser mestre o pássaro que, além do canto perfeito (conforme dialeto escolhido), possua características especiais de temperamento. Um mestre nunca pode se irritar com o canto dos filhotes, mantendo-se impassível na perfeita execução do seu canto, sem variar qualquer nota. Deve ser capaz de cantar com perfeição mesmo com a gaiola encostada na de outro curió macho filhote. Não pode interromper seu canto para escutar o canto de um possível adversário. Não pode modificar seu canto por influência do pialado das fêmeas. Deve ter um mínimo de três ou quatro anos, tendo saído de todas as mudas de pena sem modificar seu canto. Poucos são os criatórios que possuem curiós mestres de canto clássico perfeito. Um bom mestre pode valer elevadas somas. Desta forma, como é muito difícil que tenhamos pássaros mestres de canto perfeito e completo, o melhor é que o aprendiz só escute o som do CD da melhor gravação possível do dialeto a ser ensinado. Assim, a probabilidade do aprendizado aumenta substancialmente. Todavia, nunca se tem a certeza se o pássaro irá aprender perfeitamente o canto ministrado. Às vezes, o filhote aprende somente algumas partes do canto. A título de informação, há ainda o fator "código genético" a ser considerado, influência da natureza que produz espécimes responsáveis pelo dialeto de sua família, e que nunca migrarão, só se forem forçados. Esse tipo de pássaro tendo escutado algum tipo de canto no ninho, nunca mais mudará uma nota sequer, é bom lembrar sempre disso.
A existência de gravações em CD está sendo o principal motivo do incremento das atividades dos criadores, porque possibilitou a todos o ensinamento dos melhores estilos, os cantos de campeões aos filhotes produzidos, socializando e permitindo a participação de todos que quiserem no processo. O CD produz o melhor som e não se deteriora com facilidade. O volume do som produzido terá que se o mais próximo do natural possível e será como se fosse um pássaro cantando. É indispensável também, a utilização do temporizador "timer", ou seja, um equipamento que tem a propriedade de desligar e ligar o som periodicamente, pois na natureza um pássaro não canta em tempo integral. Essa condição é fundamental no manejo do encarte de cantos. O ideal é que os intervalos sejam de 30 minutos tocando e de 30 minutos desligado. Deve-se iniciar o processo de vetorização / encarte às 5:30 hs., com término às 18:00.
Para um satisfatório processo de vetorização de filhotes de curió, deve-se ter em mente um pressuposto básico: o filhote de curió não pode ouvir o canto de outros pássaros, aí incluídos galadores com falhas no canto e fêmeas solteira, nem outras espécies de pássaros. Esse isolamento acústico requer facilidades de estrutura pouco comuns à maioria dos criatórios. São necessários, no mínimo, três ambientes acusticamente isolados. Um para galadores e fêmeas solteiras, um para fêmeas chocando ou alimentando filhotes e outro para treinamento de canto. Melhor seria se os filhotes nascidos fossem transferidos para outro ambiente, ainda juntos com a mãe, mantendo-se na sala de choco apenas as fêmeas chocando, em absoluta tranqüilidade. A presença de mestres de canto ou a sonorização da sala de choco costuma deixar as matrizes nervosas, sempre causando algum prejuízo à incubação. Havendo disponibilidade do quarto ambiente, o melhor momento para a transferência dos filhotes é o 7º dia após o nascimento. Já teremos passado o evento do anilhamento e a fêmea já terá adquirido o ritmo no tratamento dos filhotes. Será então iniciado o processo de vetorização do canto. É importante destacar que não basta que o ambiente destinado à vetorização do canto seja acusticamente isolado. É importante que este ambiente ofereça boas condições para a propagação do som. Paredes lisas ou azulejadas tendem a refletir o som, causando reflexão (eco) e reverberação (permanência de ondas em um recinto limitado), incutindo distorções na vetorização. Os auto-falantes não devem estar virados diretamente para os pássaros, nem devem ser posicionados na parte superior. O som apresenta tendência a subir. O uso de cortinas ameniza bastante a reverberação.
Diante das dificuldades de se ter à disposição vários ambientes para um satisfatório processo de vetorização de canto em filhotes, ou seja, o conhecido problema de espaço, são cada vez mais empregadas por criadores preocupados com a qualidade do canto dos curiós as conhecidas cabines acústicas, destinadas ao treinamento do canto de pássaros. A cabine permite o isolamento de galadores que não possuem bom canto, impedindo que influenciem negativamente a vetorização dos filhotes. Possibilita, ainda, que se isole um filhote em treinamento, não permitindo que ele ouça sons indesejáveis, garantindo uma melhor probabilidade de resultado na sua vetorização.
O processo de vetorização do canto conduzido em ambiente coletivo (vários filhotes reunidos) permite que, por questões ligadas ao territorialismo característico da espécie, os pássaros se precipitem em disputas de canto. Essas disputas podem causar interrupção na cantada para ouvir o canto de outro filhote, que por vezes implicará na fixação de fragmentos de canto e não do canto completo, como é desejável. Poderão, ainda, causar lesões na seringe (órgão responsável pela produção dos sons do canto dos pássaros), por não estar suficientemente desenvolvida e ser estimulada de forma precoce. Também poderá ocorrer a intimidação de alguns filhotes que não desenvolverão adequadamente a característica de repetição. Conforme o arranjo da instalação do áudio, poderá ser adquirida uma ótima condição para a vetorização do canto. Com a edição das gravações em programas de áudio, como o Sound Forge, por exemplo, é possível preparar instruções adequadas às diversas fases do aprendizado.
O Dr Gilson Ferreira Barbosa, titular do Criadouro São Judas Tadeu, em Itabuna-BA, foi pioneiro no projeto de construção e uso de cabines acústicas para vetorização do canto de curiós. Pesquisador de técnicas de manejo, possui vários artigos publicados sobre esse e outros assuntos ligados à criação de pássaros e costuma distribuir a quem solicita, projeto elaborado para a construção de cabines (e-mail para contato: gilsonbahia@globo.com).
Os pássaros possuem uma sensibilidade superior a nossa para a percepção dos sons do ambiente. Se estivermos rodando a instrução de canto em um aparelho de som, por melhor qualidade que apresente, e o canto de outro pássaro invadir o isolamento acústico, esse canto roubará a atenção do filhote.
Os primeiros três meses de vida do filhote compreendem o período em que estará mais receptivo à assimilação do dialeto do canto. Após esse período entram em muda (muda de ninho ou muda de pardo para pardo) e ficam até cerca de seis meses meio refratários ao canto. Após os seis meses passam para a fase de maturação sexual, ficam mais territorialistas e se dedicam ao desenvolvimento do canto que possuem vetorizado. Essa fase segue até a próxima muda e é conhecida como fase da lapidação do canto. Passada a primeira muda de pardo, pouco poderá ser feito para corrigir um defeito de canto, embora não seja difícil estragá-lo no convívio com outros pássaros.
Durante a primeira fase, não devemos veicular um canto com muitas repetições, que dificultariam a gravação pelo filhote. O número ideal seria três repetições, preservado o canto de saída. Um número de repetições menor poderia levar o filhote à confusão, memorizando os módulos de entrada e de repetição como um único módulo.
Essa primeira instrução pode ser repetida até os 60 dias de idade do filhote. A partir dessa idade, uma nova instrução, com cantadas de cinco e de três repetições, intercaladas, com tempo de execução aumentado será executada até os seis meses. A partir dos seis meses, instruções com cantadas de três, cinco, sete e nove repetições alternadas devem ser executadas. Na medida da desenvoltura do filhote, podemos preparar instruções que incluam cantadas com maior numero de repetição, mantendo-se, no entanto, sempre algumas com três e com cinco repetições.
Como vimos, se pretendemos ter um pássaro de canto de qualidade ou se já temo um, este tem que ser tratado com cuidado especial. Não se pode deixá-lo duelar ou disputar canto à vontade com outro curió. Isso só pode ser feito se o outro tiver um canto igual ou muito parecido. Quando tivermos um pássaro bom de canto é salutar que se grave o respectivo canto e, através de um bom material sonoro, se toque sistematicamente o próprio canto para ajudar a fixar o dialeto. E a questão da repetição: de que adianta todo o trabalho exposto acima se o pássaro não é repetidor de canto. Se não repetir ou cantar comprido (canto longo) não vale a pena. Essa é outra questão muito complicada. É um fator genético. O filhote já carrega fatores hereditários que irão possibilitar essa característica. Não temos conhecimento, por enquanto, de nenhum estudo científico que possa comprovar qual o melhor método para se realizar a reprodução para obter-se pássaros repetidores.
O que se sabe é que uma determinada fêmea de curió gera filhotes repetidores com qualquer macho, ou vice-versa. Ou um determinado casal gera filhotes com essa característica. Escolher um filhote de famílias ou linhagens de repetidores, ou melhor, com um bom "pedigree", já é um bom caminho, aumentando substancialmente a probabilidade de sucesso.